OPINIÃO

Sobrecarga na coluna e em outros lugares


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O exercício da minha especialidade médica me dá oportunidade para vivências que considero preciosas, como atender de crianças a idosos, cada qual com suas particularidades e necessidades específicas. Eu adoro dar recursos novos e úteis através do meu trabalho para cada uma delas.

Dentre esses, gosto muito de atender mulheres no período de puerpério e amamentação. É um tempo delicado, onde elas se encontram fisicamente e psicologicamente muito sensíveis, divididas em istrar a vida “antiga” onde se era “sozinha” e a vida atual, criando um bebê que há pouco tempo era literalmente um pedaço de si, gerando um misto de sensações de alegria e tristeza pela separação que o processo de desenvolvimento infantil traz consigo.

Quem nunca ouviu uma mãe falar “Nossa, mas eles crescem tão rápido!!” - então, é o reflexo destas sensações.

Faz parte deste período várias novas adaptações do corpo, como ocorre na coluna vertebral, por exemplo. Com frequência acompanho jovens mães com dores lombares, que algumas associam (erroneamente, na maioria das vezes) com procedimentos anestésicos aplicados durante o trabalho de parto.

A verdade tem mais a ver com o momento de vida do que qualquer intervenção física do médico: a coluna esteve por muito tempo acostumada com um centro de gravidade que envolvia “dois-em-um” e, no ato do nascimento, ela tem que se reorganizar em uma posição e a um funcionamento biomecânico que não fazia há meses.

Músculos tensos, alguns enfraquecidos pela falta de uso e mesmo ligamentos afrouxados pelos hormônios da gestação, consistem em um desafio que, ao menos no início, é um tanto doloroso no processo de reorganizar um corpo. Meu trabalho é só acelerar e contribuir com a contenda, usando os meus recursos e ferramentas terapêuticas.

Agora, um pouco mais complicado são as sobrecargas em outras áreas, não tão íveis com agulhas: o campo das expectativas e perspectivas fantasiosas. A maternidade é algo incrível sim, mas não o é porque vive de brilho e epifanias a todo momento. Mães se sentem cansadas, consumidas, irritadas e muitas vezes cobradas a terem comportamentos baseados em um imaginário glamuroso de amor e receptividade que não sobrevive ao contato com a realidade do dia a dia.

A sociedade silenciosamente exige poderes quase sobrenaturais das mães, onde elas suprem as necessidades do filho integralmente mesmo antes deles se manifestarem por elas. Ao mesmo tempo, a mesma sociedade mal respeita o direito da licença maternidade, dando um jeito de “dispensar” quem mesmo manifesta que pretende engravidar.

Natural que, neste cenário, sentir-se culpada até pelo que é insondável: a mudança climática que “pega” a criança (só um pouco) desagasalhada, o leite que não é forte, o umbigo que demora a cicatrizar e por aí vai. Qualquer coisa mais grave que surge é motivo para um calvário de sofrimento que só tem lógica em um mundo “cheiroso e cor-de-rosa” que pode ser bonito de se ver, mas é irreal.

Então, como já falei a muitas pacientes e amigas mães zelosas e incríveis: risquem culpa dos seus dicionários e foquem naquilo que realmente finca raízes profundas em um relacionamento de mãe-bebê: leveza e carinho maternal na aspereza do mundo real.


Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina tradicional chinesa e osteopatia ([email protected])

Comentários

1 Comentários

  • Antonieta Marisa Giglio Bassan 24/05/2025
    É bem isso aí …dr. Alexandre falou tudo em poucas palavras …gostaria de tê- lo conhecido bem antes …. Mas foi o suficiente pra ver todo seu conhecimento e mérito na sua área de atuação …. Agradeço de coração ao dr. Alexandre Martins … a quem chamo de MEU ANJO.