OPINIÃO

Um mundo onde as mães dormem em paz


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A qualidade do sono é um ponto que eu sempre investigo entre os meus pacientes, independentemente da queixa que eles me apresentam. Alguns acham isso estranho, quando, por exemplo, vou iniciar o tratamento de uma inflamação nos tendões do braço e eu pergunto “Como a senhora tem dormido? Acorda descansada?”

Soa esquisito, mas o sono é um mecanismo reparador e sua qualidade é reflexo direto da capacidade do indivíduo relaxar, livrando-se das tensões que acumulou durante o dia. Sendo que a “tendinite” é um processo inflamatório gerado por tensões acumuladas no “aparelho” locomotor do corpo (músculos, tendões e fáscias), a pergunta faz todo o sentido.

Agora, esquisito mesmo é o que acontece quando eu faço essa pergunta para uma jovem mãe. A reação é sempre a mesma: um sorriso meio sem graça, acompanhado de um “Ah, doutor, o senhor entende, não é?”, dizem elas se referindo ao precioso bebê. “Eu durmo só o tanto que eu posso...”. Lógico que eu entendo e retribuo o sorriso, de maneira empática e acolhedora.

Estou ciente que a nutrição do bebê depende exclusivamente do leite materno nos primeiros meses de vida e por isso ela é solicitada por períodos na madrugada onde sua presença é insubstituível. Entendo que a mãe é a principal cuidadora da criança durante um período até mais extenso, o que é muito natural também, ocupando-se quase integralmente.

Contudo, acho muito válido trazer dois aspectos para a luz desta discussão. Primeiro, reconhecer a maternidade como um investimento energético imenso e que a mulher precisa de e para lidar com todas as outras partes da sua vida que já existiam antes de ser mãe: a profissão, o relacionamento, a própria saúde e o lazer. A ideia de que a mãe é um ser “multitarefa”, pleno em sabedoria, incansável e de “baixo custo” afetivo-emocional não é somente infantil, é também tóxica.

A maternidade é algo maravilhoso e uma proeza por si só, mas não confere à mulher algum tipo de superpoder que a habilite cuidar de si mesma, da criança e da própria vida, com suas incertezas e atribulações, sem algum tipo de ajuda. Isso não inclui somente o pai, o outro pilar fundamental que vai apresentar o mundo para a criança, mas a sociedade toda, desde a família próxima e o poder público, que deve apresentar benefícios para a condição de maternidade e garantir que sejam cumpridos.

Segundo, que as próprias mães assumam que precisam de ajuda e a aceitem, evitando “normalizar” o cansaço excessivo, as dores, as tristezas e as ansiedades que sentem, pois senão acabam por se tornar “cúmplices” de um crime consigo mesmo, transformando a maternidade em um calvário que não tem data para acabar.

Existe mesmo uma certa tendência de romantizar excessivamente a condição maternal e por vezes as mulheres acabam por assumir, em diferentes graus de aceitação, o papel de “irreparáveis” e “incansáveis” mães, no entanto, tal ideia de perfeição, reforço, não é real simplesmente porque seres humanos são mesmo imperfeitos.

Para minha paciente e para todas jovens mães que eu conheço, inclusas minha esposa e muitas das minhas amigas, dedico a coluna de hoje com profundo respeito e iração. Vocês são ótimas porque já o eram, mesmo antes de iniciarem a jornada de gestarem e criarem de uma vida. Acreditem, isso já é grande o bastante. Durmam em paz porque vocês sempre o mereceram e, cada vez mais, o mundo entende isso.


Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia ([email protected])

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