Se você esteve fora da internet na última semana, não deve ter visto que o comediante Léo Lins, famoso pelas piadas ácidas e pesadas, foi condenado há oito anos de cadeia por causa delas em seus shows. Humoristas, colegas comediantes, jornalistas e mais uma porção de gente já deram suas opiniões a respeito.
Uns condenam Léo Lins. O raciocínio dessas pessoas é que Léo Lins se utilizou do seu show de Stand Up para proferir discurso preconceituoso contra grupos minoritários. Já outros defendem o comediante. Segundo eles, uma piada não pode ser alvo de censura. "É um absurdo. Danilo Gentili, amigo e, por alguns anos, colega de palco de Léo Lins, disse em vídeo que “piadas não geram gente morrendo, não geram intolerância, preconceito. São apenas piadas".
Thomas Hobbes, filósofo inglês, dissertou certa vez sobre a Teoria da Superioridade. Essa teoria diz que nós temos a tendência de achar graça em situações que destaquem nossa superioridade sobre o personagem da piada. Em outras palavras, rimos da desgraça alheia por justamente ela [a desgraça] ser alheia e não nossa.
Segundo uma matéria da revista Superinteressante, para a neurociência, só podemos achar graça se estivermos numa situação de prazer, oposta à do estresse. O humor é meramente uma reação do sistema límbico cerebral (responsável pelas emoções e comportamentos) ao processar informações em parceria com o córtex (que controla nossas ações voluntárias). Ou seja, além da sensação de superioridade que nos coloca numa posição de prazer, rir é um ato consciente.
Portanto, uma piada é uma anedota que gera essas sensações. Mas uma piada só pode ser considerada como tal se ela provocar o riso e para provocar o riso, a anedota precisa estar recheada de situações que façam o público se diferenciar o suficiente do personagem que é alvo das mazelas contadas. Isso significa que a piada só vai funcionar se ela provar para mim que eu não sou o alvo dela.
As piadas de Léo Lins, como já adiantei no começo - e como já sabido por muita gente -, são muito pesadas. Pesadas ao ponto de eu mesmo não me sentir confortável em descrevê-las aqui, mesmo por meio de paráfrases. O que você precisa saber são duas coisas, primeiro que as piadas falam de pessoas com deficiência e pessoas negras, ou seja, piadas capacitistas e racistas, além de algumas de teor pedófilo; segundo, que tem pessoas que se sentem confortáveis o bastante para rir delas.
E é aqui o ponto que eu quero chegar. "Não é sobre gostar ou não da piada. Particularmente, não é meu tipo de humor. E daí? O comediante estava no teatro diante de pessoas que escolheram estar ali.", foi o que declarou Marcelo Tas em defesa a Léo Lins. E eu concordo plenamente com o eterno professor Tibúrcio e ex-CQC, as pessoas escolheram estar ali e é exatamente esse o problema.
Pior que a piada preconceituosa é quem ri dela, porque se ri é porque se coloca em um lugar distante o suficiente para, de maneira consciente, achar graça. A comédia sempre teve a função de apontar para os problemas, ridicularizá-los e, assim, dar foco para algo que precisa de solução. Jô Soares fazia isso muito bem com seu personagem "Capitão Gay". Você não ria do personagem, você ria com o personagem e, lá no fundo, refletia sobre o preconceito escancarado que um homossexual sofria. A mesma coisa com Chico Anísio. Seus personagens eram críticas escancaradas e o humor era um holofote para elas. Penso que a boa piada é aquela que te faz se sentir mal por ter rido e que perde a graça na segunda vez que você a escuta.
"Ah, mas no final do show, o Léo Lins chama algumas pessoas deficientes no palco e elas dizem que gostaram do show e não ficaram ofendidas", você vai me dizer. E é verdade, só demonstra uma coisa ainda mais triste, a capacidade de pessoas que são o alvo da piada se colocarem tão distante de si mesmas ao ponto de rirem delas próprias. É como se você ficasse feliz e ansioso para puxar a corda da própria guilhotina.
Essa condenação não vai dar em nada. Eu não acredito que ele será de fato preso e se for, vai ser um tiro no pé digno de riso. O que estamos fazendo é publicizar gratuitamente o nome de Léo Lins. Além disso, essa condenação dará munição para que um grupo de pessoas normalize ainda mais esse tipo de piada em nome da "liberdade".
A culpa é da platéia? Não só. Léo Lins e suas piadas não são a causa, são o sintoma de uma sociedade que se recusa a ter um olhar mais empático e simpático. Sua condenação é, por sua vez, um remédio com um efeito colateral bem desagradável.O fato é: Léo Lins só conta essas piadas porque tem gente que vê graça nelas. A plateia tem o bobo da corte que merece.
Conhecimento é conquista.
Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação ([email protected])